sábado, 28 de fevereiro de 2009

A família, o hospital e o relógio!

Estou de volta!

Caros leitores, mais uma semana se passou em terras de François Rabelais.
A minha ausência durante estes quase 7 dias, faz com que hoje seja o meu "post" hebdomadaire e, ainda por cima, redigido longe de Paris. Vim passar o fim-de-semana à Bélgica, longe do frenesim da cidade, e no coração da Flandres, no meio do campo.

Este meu "post" terá, então, uma série de secções, de acordo com os vários acontecimentos que se foram desenrolando ao longo da semana.

POST 1 - Viva a familia!
A semana começou bem. Começou, alias, ja no fim-de-semana anterior, com a presença da minha prima em Paris, e com as comemorações dos seus 40 anos de existência, que ja aqui deixei relatadas.
Domingo, juntaram-se a nós, a mana, o cunhado, o sobrinho e a sobrinha, preenchendo na totalidade a minha casa de 34 metros quadrados e, assim, a sua lotação, pelo que me habilito a um aumento da renda para 3 vezes o salário minimo nacional! Passeámos, assistimos a um concerto de órgão (de Bach) na Igreja de St Eustache (a igreja estava cheia), e tivémos a oportunidade de "viver" o carnaval de Paris... Os comentários a fazer ao dito desfile são breves, e apenas para deixar aqui um testemunho do que é, no fim de contas, o carnaval na cidade-luz, e ao que se resume a um desfile-de-brasileiros-residentes-em-Paris-mais-uns-associados-franceses-a-tocar-um-samba-manhoso-e-vestidos-de-monstros-de-mangas-compridas! Passo a explicar: monstros porque o tema do desfile era mesmo esse, e de mangas compridas porque, como devem imaginar, a temperatura que ainda faz em Paris não se coaduna com fatiotas carnavalescas mais frescas...
Segunda-feira pouco tempo estive com a família, no sentido em que passo todos os dias 11 horas no hospital, saio por volta das 19:30, e chego a casa cerca das 20 horas. Terça-feira a família belga voltou às suas origens, e restou a prima. Tendo eu saído do hospital às mesmas horas e perfeitamente "débordé", a vontade era de chegar a casa e sair no mesmo momento para "arejar". Assim foi. Eu e a prima descemos St Martin, passámos pela Pont Notre Dame, Rue de la Cité, virámos em direcção à Conciergerie, continuámos pela Boulevard du Palais em direcção à Pont Saint Michel, e fomos jantar à Creperie St Germain na Rue St André des Arts, que alguns de vós ja tiveram a oportunidade de conhecer. O jantar, desta vez, foi oferecido pela prima. Continuámos o passeio e fiz a catarse, até porque esse dia foi um dia estranho no hospital.
Quarta-feira foi embora, e lá fiquei outra vez eu sozinho. O triste disto tudo, é ver as pessoas virem a Paris e voltar ao Porto (ou Lisboa...), e eu ir ficando... Estou com saudades do meu Porto e das nossas gentes.
Vou agora tomar um chá feito pela mãe, na casa da mana que está de viagem pelos Estados Unidos...

Vindo do chá, passamos, então para:

Post 2 - O hospital, as gentes, a reanimação
É inegável que gosto francamente mais, neste momento, do que estou a fazer, por comparação ao meu trabalho no "hospital de semana" dos 3 meses anteriores. São patologias diferentes, doentes francamente mais "agudos" e "graves" e, como já alguém disse um dia, é bem mais a "minha praia". Contudo, também mais cansativo e extenuante. Fui bem recebido, não tenho tido quaisquer problemas e, sem dúvida, feedbacks francamente positivos. Contudo, a facilidade de lidar com os doentes em ambiente de cuidados intensivos, prende-se com a "escola" que ja tive nesta área no meu Hospital de origem no Porto que, sem dúvida, deu-me outra "estaleca" para lidar com este tipo de doentes, independentemente de, neste momento, serem doentes apenas, e só, da área do fígado. O problema reside na colega que está comigo. É extremamente esforçada, e tenta fazer as coisas o melhor possivel, mas falta-lhe a experiência prévia, e a indisponibilidade dos "maiorais" para lhe ensinarem o ABCDE da emergência, da ventilação, da diálise, enfim... do doente crítico. Tal, implicou uma conversa dos meus chefes comigo, a responsabilizarem-me por todos os doentes da unidade e, inclusivé, de certa forma pela propria formação da colega. Tudo isto, sem a colega saber, pelo que me sinto um pouco como a PIDE, a espiar o que a jovem faz aos seus doentes, e a sugerir aqui ou acolá determinadas alterações. Não considerem, os meus caros leitores, presunção e água benta da minha parte. Mas estou numa posição completamente ridícula e que não estou a achar, propriamente, grande piada. Este foi o grande facto negativo da semana.
Faltam mais dois meses e volto para o meu cantinho!

Post 3 - As várias funções do relógio
Tic-Tac Tic-Tac Tic-Tac...
O relógio marca as horas, os minutos, os segundos. Toda a nossa vida se rege pelas horas do relógio, desde o momento em que nascemos, mesmo antes: são as contracções uterinas a cada 5 minutos, e a criança que nasceu às 02:50 minutos (factor importantíssimo, como toda a gente sabe, para a realização de um bom mapa astral). São as "mamadas" a cada 3 horas e o trocar de fralda 5 minutos depois. São as horas para acordar, é o toque de entrada para a sala de aula e o de saída, passados 45 minutos (pelo menos, era assim, na minha altura). São os 3 minutos de cozedura do ovo para ficar apenas... escalfado, e são os segundos, décimos de segundo e centésimos de segundo numa corrida de 100m, que está marcada para as 17 horas e 35 minutos, pelo que temos que começar a "aquecer" 45 minutos antes. São os milésimos de segundo que fazem com que o Ferrari ganhe ao carro da Mclaren Mercedes na fórmula 1 (bons velhos tempos), e as horas a que devemos comparecer no aeroporto para fazermos o "check-in". São os 3 minutos de sol que cada dia tem a mais até ao solestício de Verão.
Depois, durante umas décadas das nossas vidas em que o governo insiste para que sejam cada vez mais, são as horas para acordar, para entrar no trabalho, apesar de nos esquecermos, frequentes vezes, que temos horas para sair...
O relógio, a meu ver, começa a perder o interesse à medida que vamos envelhecendo, fruto de adquirirmos o posto de uma vida menos agitada, mais confortável e, espera-se, que melhorada. Assim, com a reforma, deixamos de ter horas para acordar, mas passamos a ter horas para ir à fisiatria e à consulta do médico. Contudo, a idade concede-nos, também, a possibilidade de chegarmos atrasados a alguns compromissos, sem que pareça muito mal. Passamos a ser nós o metrónomo do tempo, e não os ponteiros do relógio a conferir o ritmo da nossa vida.
Quando o coração pára de bater, pura e simplesmente porque está cansado (o que acontece com alguma frequência com os relógios), os médicos, por vezes, resolvem brincar aos deuses. Aí, administram a adrenalina com um espaço de tempo de determinados minutos e confirmam o pulso também nesta unidade de tempo.
No fim, olham para o relógio e dizem: "Hora da morte: 2 horas e cinquenta minutos".
Estas são as várias funções do relógio.
Lembrei-me disto na terça-feira, ja no regresso a casa, no metro, a propósito de uma doente que foi admitida no dia anterior, na unidade, por hepatite aguda fulminante (ao paracetamol), que evoluiu para disfunção múltipla de órgãos, tendo eu sido chamado com a doente em assistolia. Passada uma hora, ligaram da agência de biomedicina a dizer que havia um fígado para a doente. Há, sem dúvida, uma força maior que diz quando devemos partir...

Bien à vous,
Fil

4 comentários:

Anónimo disse...

Finalmente! Já era tempo de regressares de onde queres que tenhas estado: alhures espacialmente, ausente por indisposição anímica, alheio por desinteresse, etc., etc. Afinal está tudo explicado e o meu coração satisfeito e apaziguado: voltaste! E o tic-tac retoma o seu ritmo compassado próprio de um tempo afectivo sem sobressaltos. E a Cris também ficou certamente mais tranquila... É um grande abalo quando ligamos ao Relier e ninguém nos liga :-(
Gros bisou et à bientôt (j'espère)!

Graça Paz disse...

Olá Filipe

Estivemos a ler o teu Blog apartir do campo e queria deixar aqui o meu olá!!Adorei ler,escreves muito tempo e com piada!

Um bj grande meu e da tua prima que este fim de semana esta comnosco!

Fica aqui o meu link

http://atelierxt.tumblr.com/

http://www.flickr.com/photos/xtmoveis/

Um bj

Graça

Anónimo disse...

Como gosto de te ler! Ainda bem que retomaste a escrita!
A big kiss!!!
A mana

Filipe Nery disse...

Querida "La tante": o "Relier", de vez em quando, la se tem de ausentar. Não por vontade expressa do seu protagonista principal, mas porque a "veia" de vez em quando, esta vazia de inspiração. Ca estou eu, como é habito! Também espero que seja à bientôt! ;)

Mais uma blogueira e bloguista a visitar o "Relier". Obrigado, Graça! Vale a pena visitar os teus sites na internet! Tudo cheio de cor e vivacidade! Boa sorte para a vida no campo!

Cara mana: Ha 48 horas na América e até ja dizes umas palavras em inglês!!! A big kiss for you tooooo! Enjoy your stay!