domingo, 26 de abril de 2009

Querido diário...

26 de Abril de 2009

Caro Relier,

Faltam apenas 4 dias para acabar aquilo que me propus fazer em Paris: o meu estágio de hepatologia. Contudo, não te vou falar, hoje, sobre esse tema. Este intróito no meu diário de hoje tinha como único objectivo, o de dizer que, dentro de 4 dias escreverei, nestas tuas folhas, o meu último diário, e te fecharei à chave para sempre.

O dia de ontem começou cedo, no hospital. Após o almoço, já em casa, e no meu registo habitual do pão com queijo e fiambre como refeição, resolvi deitar "mãos à obra", e começar a limpar os cantos com 6 meses de pó acumulado. Tarefa árdua e, sobretudo, difícil. É nestas alturas que agradeço a brilhante ideia que tive, há cerca de 1 ano atrás, de ter arranjado alguém para me limpar a casa. Pura e simplesmente não fui talhado para isto. Comecei pela casa-de-banho. Apesar do seu metro quadrado de área útil, ainda perdi uma boa meia-hora para tirar meia dúzia de germes que frequentavam esta divisão da casa. Digo-te uma meia dúzia de germes porque, apesar de tudo, sou um ente limpinho e, como tal, nunca deixei que aquela população de bichos pequenos e invisíveis proliferassem de maneira compulsiva.
Colo, nesta página, duas fotografias que concernem esta área da casa. Assim, ficas, pelo menos, com a noção do tamanho (pequeno), da funcionalidade (grande) e do "décor" (simples e bonito) da casa-de-banho.






Passei, de seguida, à limpeza do quarto. Meu Deus! Tanto pó! E tenho, acima de tudo, a teoria, baseada no convívio diário com os ácaros franceses, que o pó, em França, é francamente "pior" do que em Portugal. Por um lado, é constituído de micropartículas, que mais parecem farinha cinzenta. Por outro lado, julgo que, tal como as teorias anciãs que pretendiam justificar o início da vida (não a da sopa primitiva de Oparin e Haldane) com a geração espontânea, o pó, na minha casa, nasce vindo do nada. Não vou recortar aqui nenhuma fotografia do quarto, pois já a colei numa das páginas anteriores.

Cheguei, finalmente, à sala. Aspirei, limpei o pó e, finalmente, pu-la na disposição tal e qual a encontrei quando cheguei cá a casa pela primeira vez no dia 20 de Outubro. Mostro-te, então, as fotografias que tirei, que já imprimi na impressora, que recortei e que as vou aqui colar neste preciso momento.








As minhas lides domésticas, ontem, ficaram por aqui, pelo que deixarei a cozinha para um outro dia (próximo, é certo).

A Dra Brandoa chegou cá a casa cerca das 19 horas. Foi a minha companhia para o resto do fim-de-semana.
Saímos no imediato para jantar, precisamente onde, dias antes, já tinha estado. O restaurante Julien. Este restaurante fica mesmo perto das grandes boulevards, por trás da porte de Saint-Denis. Trata-se de um restaurante da Belle époque, onde se respiram os ares do século passado, num estilo de arte nova. Verdadeiramente belo. Comemos muito bem, uma entrada de arenque fumado, um prato principal constituído por 3 tipos de peixes diferentes e uma sobremesa leve, muito francesa.
Saímos do restaurante e voltámos a casa só, e apenas, para uma mudança de traje, por parte da amiga Brandoa, para a segunda parte da noite. Fomos a pé pela Rue du Rivoli fora, até chegarmos à praça da Concórdia, directos ao famoso Budha bar. Este bar-restaurante é um dos mais conhecidos de Paris e, realmente, foi uma verdadeira ideotice não ter ido lá mais cedo. Tem um estilo asiático, com música lounge. No andar de baixo, as mesas onde as pessoas jantam. No andar de cima, que não é mais do que uma mezzanine, o local onde se conversa e se "bebe um copo". Bebi um "Sun bay @ Miami", muito pouco alcoólico, e com uma mistura de sabores exóticos. Foi servido num copo de 20cl e custou a módica quantia de 17 euros... Julgo, meu caro "Relier", que vou achar tudo muito barato quando chegar ao Porto.

O dia de hoje começou cedo. Não, não fui trabalhar nem, tão pouco, pus o despertador a tocar. A claridade, que já tantas vezes te falei, estimula a minha produção endógena de cortisol, e faz-me acordar. Assim, aproveitei e fui comprar os elementos que me faltavam para o meu último pequeno almoço de domingo.
Saí do prédio, calcorreei as pedras do caminho até à porta de saída da passagem, virei à direita e desci a Rue St Martin. O dia acordou meio cinzento. Não chovia (nem choveu após), mas as ruas estavam molhadas. Fui respirando fundo pelo caminho fora, como se quisesse sentir e guardar os cheiros desta cidade, mas sem grande sucesso. Ora porque já não me lembro dos cheiros, ora porque, dada a hora, ainda não haviam os odores que lhe são característicos, e que são uma mescla de pão, de pó, de suor e de Channel número 5. Pouca gente havia na rua e, aqueles que se faziam passear, transportavam uma baguete debaixo do braço. Cheguei, finalmente, à padaria. Pedi uma baguete, dois pães com chocolate e duas tartes de maçã. Cheguei a casa, e tomámos o pequeno almoço que nem reis!

Depois, bem... Depois, foi altura de nos passearmos. Fomos para os lados de Marrais, e, como não poderia deixar de ser, da Place des Vosges. Está bem diferente, quando comparada com a última vez que lá estive, despida e fria. Está verde, e bem-disposta. As pessoas passeiam pela praça, as crianças correm e os pombos fazem a corte, com o melhor dos seus fatos, às suas respectivas... pombas!
Vou-te deixar aqui, também, algumas das fotografias que fui tirando ao longo da tarde e, como uma imagem vale mais do que mil palavras, por aqui me fico.











Bien à toi,
Fil

6 comentários:

la tante disse...

Enquanto lia o teu post (tão intimista que me ia sentindo uma intrusa) esperava a cada momento ver saltar a imagem do quase humanizado "pó cinzento" e dos germes que, coitadinhos, se viram finalmente libertados da clausura do teu pequeno, mas encantador, refúgio que brevemente deixarás.
Que fotos mais bonitas! ficarão para memória de todos nós que aí passámos bons momentos.
Há dias, na Place des Voges (não te tinha ainda dito), quando lá fomos flanar, tomar o café da tarde e repousar corpos e espíritos dos longos passeios e da turba em constante movimento, andava por lá um casal pouco comum que se beijava; no dia seguinte vimo-lo de novo, mas nos Halles: ela bem elegante, esbelta, loira, porte tipicamente francês; ele vestido de cetim vermelho, com collants, e uma máscara igualmente de cetim da mesma cor. Eram seguidos por um fotógrafo que lhes aprisionava a imagem constantemente. Um anúncio que por aí aparecerá brevemente?! Não sei, mas formavam um par bem interessante.
A tua tarde de domingo, pelo teu discurso e pelas fotos, pareceu-me ter sido a tarde ideal para recordar com uma doce nostalgia.
Que os próximos dias te sejam igualmente o mais agradáveis possível.
Gros bisou e à toujours.

1/2 disse...

Uma contagem decrescente e muito directa que já nos deixa saudade.
Obrigada pela reportagem, e pela sua sonoridade!
Desejo mesmo que digas até mais logo a essa cidade maravilhosa!
Tchim Tchim !!!
Brindo a ti, a mais esta etapa quase finda e ao meio ano deste registo precioso e magnífico que partilhaste com todos nós.
Beijos em ti

la tante disse...

Abril

Brinca a manhã feliz e descuidada,
como só a manhã pode brincar,
nas curvas longas desta estrada
onde os ciganos passam a cantar.

Abril anda à solta nos pinhais 

coroado de rosas e de cio, 

e num salto brusco, sem deixar sinais, 

rasga o céu azul num assobio.

Surge uma criança de olhos vegetais, 

carregados de espanto e de alegria, 

e atira pedras às curvas mais distantes 

— onde a voz dos ciganos se perdia.

Eugénio de Andrade

p.s.: Apeteceu-me, as tuas fotos inspiraram, e porque Abril se finda e com o seu fim encerra-se um capítulo. Outros virão...

Cris disse...

Estou a ficar nostálgica com a tua vinda...com o fim deste cantinho de visita diária obrigatória...
Tu sabes que eu não lido bem com estas coisas...
Beijinhos,
Cris
(la tante, tem de começar a ir ao meu blog...os meus dias sem os seus comentários, ficam mais pobres! Um beijinho)

la tante disse...

O que os blogues fazem!... Cris, obrigada pelas palavras certamente imerecidas. Tenho andado distraída, é só, mas o vício dos blogues ficou (quem foi o instigador?) e nada pode quebrar esta corrente. Beijinhos e, cá entre nós, o Fil vai certamente arranjar uma alternativa, só está hesitante quanto ao nome. Eu, entretanto, passeio-me pelo "Tabula Rasa".

Filipe Nery disse...

Entre passeios, máscaras (e que bem que me fica!), poemas (serve como uma luva), nostalgias e passeios bloguistas, eu vos agradeço o carinho que me vão dando.