sábado, 28 de março de 2009

As novidades da mãe

Caros leitores (e amigos),
aproveito o momento em que Portugal procura marcar golo frente à Suécia, para vos escrever mais umas linhas neste "Relier" conturbado e intermitente.

Eis mais uma semana que agora finda, repleta de sentimentos e emoções, dentro das quais a ansiedade, que acabou por pautar estes dias e limitar, de alguma forma, o meu normal funcionamento mental, laboral, pessoal, etecetera e tal!

Comecemos pela minha mãe. Longe de mim (e dela também), imagina-la internada num Serviço de Medicina Interna (!), e ainda por cima num hospital no estrangeiro (pelo menos reconheço-lhe a noção de chique: sempre que a minha mãe faz alguma coisa tem que ser em grande, e ha-de ter pensado que, para ser internada, mais valia ser num hospital que não em Portugal...)!
Contei-vos a fase inicial da epopeia, da minha vinda à Bélgica, e do inicio da terapêutica antibiotica, na 3a feira à tarde. 4a feira continuou francamente combalida, e estive sempre numa amalgama de sentimentos no sentido da decisão de a levar, ou não, à urgência. Se o diagnostico me parecia o correcto e a terapêutica adequada, faltavam-me outros dados, que são sempre indicador da gravidade da situação, e que so podem ser vistos no hospital, como uma mera saturação de oxigénio ou, até, uma medição simples de pressão arterial. Recorria-me à frequência cardiaca e respiratoria, e esta ultima nunca me deixou propriamente muito descansado... 5a feira de manhã, e virtude da minha mãe continuar febril, resolvi, finalmente, leva-la ao serviço de urgência.
Aqui, a logistica funciona de forma ligeiramente diferente do que em Portugal. O meu cunhado ligou primeiro ao médico de familia (o tal...) que, por sua vez, ligou ao hospital e estabeleceu o contacto. Passados 5 minutos, o meu cunhado voltou a ligar ao médico que lhe deu o nome da médica de referência.
Fomos ao hospital, enträmos no serviço de urgência e... mais parecia uma clinica privada! Não se via, quase, viva alma. Não havia gente nos corredores, aos berros, maquinas a apitar ou cheiros nauseabundos no ar. Fomos gentilmente recebidos, e a minha mãe entrou directamente para um bom consultorio. Deram-lhe uma camisa do hospital e, logo a seguir, e sem antes ser observada pelo médico, a enfermeira fez-lhe um ECG, registou parâmetros vitais (fiquei logo mais descansado por ver uma TA=110/80mmHg, uma FC=86bpm (apesar dos 39°C de temperatura) e uma SO2=95% a ar ambiente), colheu sangue (nomeadamente hemoculturas), pôs-lhe o célebre "sorinho" a correr e, logo de seguida, um paracetamol IV. Dali a 5 minutos chegou o médico, caro colega com ar de interno. Simpatico e meio intimidado pois, naquela altura, e sem eu ter dito nada ja todo o mundo sabia que eu era médico, internista (!) e a trabalhar num hospital em Paris (chique, heim?). Fez-lhe o exame fisico, gasimetria de sangue arterial (fiquei ainda mais descansado depois de ver que não tinha insuficiência respiratoria, apenas uma hipoxemia ligeira), saiu do consultorio e não disse nada. Logo a seguir vieram buscar a paciente para fazer o Rx de torax.
Passados 10 minutos, uma enfermeira veio perguntar se queriamos um quarto individual, para 2 ou 4 pessoas. Claro esta que nos apercebemos, naquele momento, que iria ficar internada. Fui falar com o médico, que me mostrou o Rx, e la estava a dita cuja da penumonia lobar inferior direita, muito intersticial, sem derrame pleural. Não soube, nem sei, os resultados das colheitas de sangue.
O médico disse que iria continuar a fazer o antibiotico (Augmentin), mas por via endovenosa. Falei-lhe do motivo pelo qual tinha associado a claritromicina ao Augmentin, e pela suspeita de agente atipico. Literalmente não me ligou bolha. Perguntei se não iam fazer pesquisa do antigénio da Legionella na urina. Fugiu à resposta.
A minha mãe la subiu para o internamento, onde ficou num quarto com uma outra senhora octagenaria, com muito ar de doença pulmonar cronica e... caso social (também os ha na Bélgica!!!)! Simplesmente porque não tem ninguém para tomar conta dela, ja que mora(va) sozinha (ca como la...).
Entretanto passei o resto do dia à espera da dita médica que era suposto ter observado a minha mãe. Ja tinha, inclusive, vindo buscar, a casa da minha irmã, o outro antibiotico para a minha mãe o continuar a tomar, nem que fosse às escondidas! Ao final da tarde, fui, com a minha irmã, à procura da médica. La a enconträmos, e la veio ela observar a minha mãe. Esperämos fora do quarto. Saiu do quarto com o estetoscopio sobre os ombros, e a dizer "pois... é uma pneumonia!" Et, donc, voila! Como se ja eu não soubesse aos dias... Depois veio a parte de a tentar convencer a fazer cobertura para os atipicos. Finalmente consegui levar a agua ao moinho, e não foi preciso a minha mãe tomar o antibiotico às escondidas, esta a fazê-lo mesmo às claras!
Ë de esperar uma defervescência da febre, numa pneumonia não complicada, nas primeiras 48-72 horas apos o inicio da toma do antibiotico. Claro esta que ontem, no dia imediatamente a seguir ao seu internamento, ja se encontrava melhor, pois ja era o terceiro dia de terapêutica.
5a feira à noite voltei a Paris. A minha mãe estava "entregue", e eu podia sossegar um bocadinho mais. Apesar de ter perdido o TGV das 20 horas por 1-2 minutos, e ter de esperar 2 horas pelo seguinte, cheguei são e salvo a casa (Paris), por volta da meia-noite. Ontem trabalhei, com a cabeça longe, bem longe...
Hoje voltei à Bélgica. Estive com a minha mãe, e constatei melhorias. Esta com outra "cara", mais bem disposta e faladora. A médica diz que o estudo analitico esta melhor e, como não poderia deixar de ser, auscultei a minha mãe. Apesar de ainda ter sinais de condensação pulmonar, esta melhor.
E bom, foi esta a peripécia da semana. Amanhã ao final do dia voltarei para o meu canto de 34 metros quadrados em Paris, e irei encontrar, com toda a certeza, a minha "Passagem" muito bem decorada, cheia de flores e vasos novos (era o trabalho que iam ter durante o fim-de-semana).
Seja como for, ainda tenho para vos contar a noite de ontem, de aniversario da minha ultima hospede em Paris (não fui um grande anfitrião, desta vez, é um facto...). Fica para a proxima.
Hoje muda a hora. Sorte do colega que faz urgência à noite: vai trabalhar menos uma hora, e vai ganhar como se a tivesse feito!

Bien à vous,
Fil

PS: Sempre que os meus caros leitores resolvam fazer uma viagem ao estrangeiro passem, antes, pela loja do cidadão, e peçam o cartão internacional de utente. A minha mãe fez isso e olhem o jeito que deu...

5 comentários:

1/2 disse...

Acabada de chegar de um maravilhoso Concerto Evocativo do Bicentenário do Desastre da Ponte das Barcas( Invasões francesas) no Coliseu do Porto, não podia repousar(nem com 1 hora a menos) sem espreitar o RELIER.
Sabendo das boas novas de viva voz, é sempre muito bom "ler-te"!
Espero que a Primavera na "Passagem" te receba com simpatia, tranquilidade e ânimo e, te reserve uma semana mais pacífica e serena !
A mãe estará brevemente fora do antro vírico e, a recuperar velozmente!
O cartão europeu de seguro de doença é gratuito,tirado na hora e válido por 3 anos.
Já o tenho há algum tempo embora espero nunca vir a fazer uso dele!
Um bom Domingo, bom regresso à base na cidade luz (em contagem decrescente) e bom beijo em ti.
E

Graça Paz disse...

ó Filipe ,já passei por isso!!espero que corra tudo bem com a tua mãe e bem fez ela em ficar internada num hospital estrangeiro!!Não que eu tenha sido mal atendida no St.António ,mas vi por lá coisas (atitudes humanas dos funcionários) que muito me chocaram!Deixa-me contar-te uma coisa já que es medico fica a dica!!Vi um filme com o William Hurt fantástico que andava precisamente á volta do lado mais humano que na maior parte das vezes os médicos acabam por perder mas que no meu ponto vista só por si pode ser o suficiente para ajudar a curar um doente!(já diz o Henrique Gil da Costa -meu primo e meu medico que tu bem conheces!!)...O filme mostrava um medico que era desculpa o termo uma "besta"(no que respeita ao contacto interpessoal tal qual o que me atendeu quando fiquei com o António ainda bebe internado no hospital S.João) que acabava por padecer de um cancro na garganta e acabava por provar do seu próprio veneno,ou seja,a indiferença ,o silencio ,a ausência da dados e de informação num desespero alucinante!,,,o filme acaba com ele a recuperar da dita doença e a dedicar-se ao ensino tendo reservado uma parte do curso precisamente ao internamento dos seus alunos tal qual estivessem doentes num hospital publico para que nunca perdessem esse tal factor humano!!Nunca o percas tu também porque não há pior do que (neste exemplo)Tem um filho bebe de 7 meses a saber-se internando e ter um medico que não flui a informação.nada diz ,nem razão,que não perde 2 minutos a falar com os pais desesperados e a seguir se encontra a tomar cafe calmamente,não que eu tenha algo contra as horas vagas mas neste caso foi o suficiente para ver o Xitó ir busca~lo por um braço e pedir explicações sobre o António!!Desculpa o testamento mas é da maior importância!!Já o meu pai a morrer do St.António (em suicídio lento como mais tarde me disse a medica) e depois de estar 4 horas á espera na urgência com muita falta de ar teve de ir ao WC porque já não aguentava mais avisando as pessoas em geral para caso o chamassem ...nesse preciso momento veio a a medica,uma jovem medica que ao ver que não se encontrava replicou alto a bom som que assim sendo ele iria para o fim da fila...escuso de te contar o que lhe aconteceu a seguir porque sendo o meu pai um homem distinto não lhe poupou uma entrada pelo consultório dentro ,remédio santo para que fosse atendido no acto e desse entrada nos cuidados intensivos!!!

um bj

Graça

la tante disse...

Fiquei SYSLYRAN (craptcha!) com o que li nos anteriores comentários!... Neste momento já sei que a minha irmã está bem melhor (a sua voz não deixa mentir o que eventualmente as palavras escondessem) e isso é que, neste momento, importa. E, não me digas, querido sobrinho, que este infeliz acontecimento não foi um bom ensejo para conheceres mais uma realidade hospitalar!? Com tanta e tantas experiências o HGSA vai ter mais-valias extraordinárias.
Saiba-se tirar delas proveito.
Recupera tu também os equilíbrios, emocional e físico.
Un bisou bien gros et à très bientôt.

Cris disse...

Eu, à cautela, quando viajo levo-te a TI!!!
( e diz lá que não deram jeito os meus antibióticos quando estavas quase a morrer em pleno Nilo!!!)

Um beijinho cheio de força para a tua Mãe e para ti!

Filipe Nery disse...

Ë mesmo teu, prima! So tu para assisitires às comemorações do bicentenario do desastre da ponte das barcas. Sabia-te velha, mas assim tanto... Je rigole! Quanto à "Passage", esta mais bonita com os vasos novos, e com as flores das Japoneiras a rebetar. Não queres vir até ca? La tante vem...

Ola Graça. Muito poderia eu discorrer sobre os hospitais e as pessoas que os fazem. Concordo contigo sobre o atendimento por parte de alguns profissionais de saude, e sublinho o termo "alguns", no sentido de ser pouco humano, que é como quem diz pouco profissional. Contudo, não fazes ideia do que é trabalhar 24 horas seguidas num serviço de urgência. Ë quase equiparado às trincheiras da 1a guerra mundial, no sentido de que é a linha da frente, e vemos de tudo e todos. Relativamente ao "chique" que intitulei a minha mãe por ser tratada num hospital estrangeiro, sabe bem quem me conhece que estava a ser o mais sarcastico possivel. Gararanto-te que preferia o profissionalismo do meu Sto Antonio, do seu corpo de enfermagem e cuidados. Ë um hospital de ponta em todos os sentidos. Até eu ja me deixei operar naquela instituição, e garanto-te que fiz questão em ser tratado como todos os outros, em enfermaria comum e tudo. Seja como for, hospitais, a menos que trabalhemos neles, mais vale vê-los de longe. Concordas, não?

Minha querida "La tante", espero que, no nosso proximo reencontro, nada haja a interferir na boa disposição, apesar do livro que me encomendaste não ser... encomendavel, pelo simples facto de que... não aceitam encomendas!

Cris, amiga, enfermeira, cuidadora, e eu sei-la-bem-que-mais!